sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Um mês antes de tudo


Estou no hospital, é quarta-feira, 22:40. Tem médico correndo de um lado para o outro, ambulância chegando, gente com o olhar preocupado e um rapaz na cadeira de rodas tentando não chorar, mas dá para ver sem seu olhar que tudo dói.

Eu estou aqui no canto observando as pessoas, pensando no meu pai que está na emergência realizando transfusão de sangue, lutando contra o câncer que tem se espalhado pelo seu corpo. E sem querer acabo imaginando o dia que eu começar a não frequentar mais esse lugar devido a ausência do meu pai. Só de pensar, dói.

Fico pensando quando eu não tiver que correr atrás de um lanchinho para colocar na bolsa e entrar escondida pra matar a vontade dele, se eu não tiver que chamar a enfermeira pra realizar a tipagem sanguínea, se eu não tiver que pedir uma cadeira para o segurança.

Nunca me imaginei nessa situação. Se eu te contar as coisas que meu pai fazia você nem vai acreditar. Ele era atleta, corria, jogava bola, pedalava, não fumava, não bebia, mas também não realizava exames. Parecia estar tão saudável. Sempre correu de um lado para o outro, dirigia o carro o tempo inteiro fazendo minhas vontades, se atrasando, claro, nos compromissos que eu tinha, mas ligava um pagode para me acalmar e ainda batucava o som igualzinho. 

Meu pai era o cara mais engraçado que eu já conheci. Hoje ele não ri como antes. Ele anda abatido e eu nunca imaginei ter que admitir isso um dia. Não caminha com a mesma agilidade, precisa de ajuda a maioria do tempo. Mas no fundo sei que meu pai está sendo forte, por nós, filhos, mesmo sabendo que por outro lado ele está sofrendo muito por estar nessa situação.

Vira e mexe ele me conta as mesmas histórias que já repetiu centenas de vezes. De quando jogou contra o Flamengo, o Botafogo, de como andava de avião, de como viajava sempre e como, no fundo, sempre foi um garoto do Rio.

Dá pra ver em seu olhar a saudade que tem de sua terra, do mar, da lagosta que comia, dos camarões, dos amigos que já passaram por sua vida, do seu corpo musculoso, da sua alimentação, sua saúde.

Mas hoje meu garoto do Rio está diferente e aí que te digo o que é amor: quando a pessoa não tem o que oferecer ou não tem muito, mas você está lá por ela. Vira a noite ao lado. Coloca chocolate na bolsa para ele comer escondido. Está lá dizendo que está corado para ver se anima um pouco.

E eu amo meu pai profundamente. Não dá para não imaginar o dia que ele for embora fisicamente. Sei que vai doer. Mas o que me acalma é que aqui dentro ele sempre irá permanecer.

Esse texto foi escrito um mês antes de meu pai falecer.

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